A flama da esperança acenderá na Terra do Sol Nascente
- Júlio Moredo
- 1 de jul. de 2021
- 3 min de leitura

Émile Durkheim, filósofo francês notabilizado por ser o pai da sociologia, dizia, de maneira geral e por entre suas diversas teses sobre a coletividade humana, que o homem é movido pelos seus ritos preservados, isto é, sua conduta moral e ética é alimentada por tradições e culturas herdadas, estas surgidas ao longo da construção de nossa civilidade e existindo para que o humano sempre se lembre da condição de pertencimento a algo maior, honrado e valoroso.

Dentre muitos exemplos destes sacramentos sociais incutidos no subconsciente da humanidade, os Jogos Olímpicos, desde seus primórdios, na Grécia Antiga, até sua fase moderna, com os primeiros jogos disputados em 1896, na Atenas da mesma Grécia que o forjou, são talvez o maior expoente desta necessidade ritualística de preservação da Civilização. A competição desportiva moldou o que Durkheim tanto aborda em suas teorias sobre “fatos e fatores sociais” para crises ou pazes, e nada como eles traduz tanto o que os humanos têm de melhor.
Nesta 32ª Olimpíada de Verão, com início marcado para o próximo dia 23 de julho, serão 206 países participantes e mais de 306 eventos. Jamais uma edição dos Jogos simbolizou tanto este anseio por competição limpa, por cerimoniais ancestrais rememorados e refeitos a cada quatro anos (desta vez foram cinco) e que nos ajudam a lembrar do quanto somos iguais, todos seguindo no rumo da superação de obstáculos, adversários e de nós próprios. Não importando onde, quando e como somos, se nascemos na Sibéria, no Congo, no Taiti ou nas Bahamas ou se seguimos credo X, Y ou Z, se nossa cor de pele é clara, escura ou mesclada.
Na capital do Japão as chamas desta esperança de nos olharmos como pessoas, com todas as belezas, forças, fragilidades e defeitos serão acesas. Esta mesma esperança que contrasta com nossa torpe capacidade de produzir tragédias como a pandemia da COVID-19, num mundo ainda muito desigual em termos de renda e saúde alimentar. Será no arquipélago nipônico, com todos os rigores de controle sanitário, que daremos as mãos nesta festa magnífica e tão ansiada após as mortes pelos quatro cantos do globo. Ela virá para recordar-nos de que também somos capazes de atos sublimes, dando-nos a noção real de que somos complexos, contraditórios, instáveis, humanos, por fim, com toda a alegria e dor que esta condição acutila.

Mirando rapidamente nossos atletas, nestes jogos a delegação brasileira poderá, mais do que nunca, mostrar novamente o brilho apagado de nosso devastado país para um mundo ainda incrédulo com tamanho desgoverno e crueldade que por cá enfrentamos. Possibilidades de dourarmos, pratearmos ou bronzearmos são grandes em esportes individuais como judô, tae-kwon-do, natação, ginástica olímpica, atletismo, surfe e skate (estreantes em Tóquio), como também nas competições coletivas, aquelas que há décadas nos consagrou aos olhos de todos: futebol (masculino e feminino), voleibol (masculino e feminino), voleibol de praia (masculino e feminino) e handball (masculino e feminino).
Motivos, portanto, não faltarão para que sigamos atentos e, de preferência, protegidos em nossos lares até a vacinação se completar, torcendo pela televisão por cada atleta, estes heróis gregos da vida real, sempre à caça de bater seus próprios limites para tornar-se de fato um mito digno de Homero ou Sófocles.
Os últimos jogos foram, inclusive, aqui em nossas terras, num último suspiro de bonança, prosperidade e cordialidade demonstrados em terras tupiniquins antes de cairmos nas trevas da ignorância e obscurantismo. Que novamente os Jogos Olímpicos mostrem à Terra, mas em especial a nós, brasileiros. Que cada prova e torneio lembre-nos de que temos um lobo odiento e um amoroso dentro da alma. Como diriam os nativos norte-americanos, aprendamos a não alimentar a fera do ódio para que ela não saia se esbaldando em barbárie.
Pílulas graduais de civilidade ritualística são essenciais para manter a besta do mal sob controle da razão, coração e afetividade que difere o homo sapiens das demais espécies, todas instintivas por natureza. Pensemos em Freud, Durkheim, nos indígenas da América e nos gregos de Olímpia. Sejamos melhores, nos inspiremos no belo e no lúdico, prestigiemos as Olimpíadas mais necessárias da História.
Que comecem os jogos!
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