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Antígona - Sófocles

  • Foto do escritor: Júlio Moredo
    Júlio Moredo
  • 13 de jan. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 24 de mar. de 2023

A bela trajetória de uma jovem, na dor irremediável da morte fraternal, à cata de consolo do sepulcro para o irmão, dono da mesma desdita e maldição de pais incestuosos. Um canto contra a insensatez e a tirania


Célebre autor, político e militar ateniense, Sófocles tem em Antígona a continuação de sua mais fiel tradução do que é a invenção do gênero tragédia e seus carmas eternos. Como em Édipo Rei, trabalho antecessor, vemos linhagens benditas ou desditas atuarem para tentar alterar seus destinos e fados. 


Em tom fluído e incrivelmente atual para algo escrito há mais de 2500 anos (século V AC.), ela retrata a saga nobre, triste e galharda de Antígona, filha já maldita de nascença pelo incesto de seu pai, Édipo, com sua mãe, a rainha tebana Jocasta, para poder ter o direito de enterrar seu irmão Polinice, morto por seu outro irmão, Etéocles, em combate nas sangrentas guerras civis que assolavam a Grécia e suas cidades-Estados conhecidas como Guerra do Peloponeso.


Seu texto é rápido porém extremamente existencialista, complexo e filosófico sobre a natureza humana de punir, amar, preservar, cultuar e temer governos e, acima deles, aos deuses e seus castigos. 


Por morrer defendendo Tebas, Etéocles é autorizado pelo rei da urbe, Creonte, a ser enterrado com honras heroicas em detrimento ao seu consanguíneo que, segundo própria lei do monarca (irmão de Jocasta e tio da prole), deveria apodrecer aos abutres para servir de exemplo. 


A trama se embaralha de vez quando sabemos que, para além de tio dos quatro irmãos (Antígona, Polinice, Etéocles e Ismene, melhor amiga e confessora da protagonista), o governante pretendia enlaçar em bodas seu varão, Hemon, com a própria Antígona, unindo, assim, as casas reais tebanas. 


Agora restamos só nós duas; Vê que morte miserável teremos, se à força da lei e {a decisão soberana do tirano nos opusermos. Põe na cabeça isso, mulheres somos, não podemos lutar com homens. Há mais, somos dirigidas por mais fortes, temos de obedecer as estas leis e a leis ainda mais duras. De minha parte, rogo aos que estão debaixo da terra que tenham piedade de mim, sou forçada a isso, obedecerei a quem está no poder; fazer mais que isso não tem sentido algum.” (Ismene para Antígona, ato 60)


O enredo, desta forma, torna-se um delicioso passeio não só pelas tradições gregas, berço de nossa civilização, como um mergulho dentro do machismo, do rigor das leis, do dilema entre ser temido ou amado por súditos e, claro, da nobreza de coração, higidez de alma e grande tamanho moral e humano de Antígona, produto de uma desgraça incestuosa que deseja apenas enterrar dignamente o irmão tombado por outro, sangue do mesmo sangue em lados opostos numa malfadada descendência.


“Se falas assim, terás meu ódio, e, com razão, serás odiosa ao morto. Deixa-me, deixa que minha loucura se afunde em horrores. Não padecerei, com certeza, nada que não seja morrer gloriosamente” (Antígona para Ismene, Ato 95)


Diálogos sobre o que é moral, ético, certo, duvidoso ou fácil são postos ao leitor durante toda a experiência da peça, especialmente quando nos são introduzidos Corifeu, o conselheiro real, Hemon, o príncipe, Tirésias, o oráculo e sacerdote, e o Guarda captor, todos críticos à dureza de Creonte (um por honra, outro por amor, mais um por razão/prenúncio e o terceiro por revolta). 


Senhor, os mortais não deveriam jurar, pois a reflexão desmente a intenção. Jurei que tão cedo não voltaria à tua presença, abalado pelas ameaças que me apavoraste. Contudo – pois o prazer inesperado supera em muito qualquer outro -, venho, mesmo quebrando o que jurei. Trago-te esta jovem, surpreendida na execução dos ritos fúnebres. Desta vez não foi necessário lançar sortes, a descoberta é só minha, de nenhum outro. Agora, senhor, procede como desejas, julga, interroga. Que me considere livre deste assunto, é justo.” (Guarda para Creonte, ato 390)


Isto torna a narrativa por si só um portal escancarado para confrontarmos nossas próprias ações diárias, sejam profissionais, familiares, sociais ou políticas, contendo muitas estrofes e antístrofes que relatam as tradições e lendas gregas que fazem de Antígona uma epopeia muito necessária para se compreender como agimos em situações que requerem defesas de valores e princípios e que transformam anti-heróis (e anti-heroínas) em verdadeiros heróis (e heroínas).


Não foi, com certeza, Zeus que as proclamou, nem a justiça com trono entre os deuses dos mortos as estabeleceu para os homens. Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder de superar as leis não escritas, perenes, dos deuses, visto que és mortal. Pois elas não são de ontem nem de hoje, mas são sempre vivas, nem se sabe quando surgiram. Por isso, não pretendo, por temor às decisões de algum homem, expor-me à sentença divina. Sei que vou morrer. Como poderia ignorá-lo? E não foi por advertência tua. Se antes da hora morremos, considero-o ganho. Quem vive num mar de aflições iguais às minhas, como não há de considerar a morte um lucro? Defrontar-me com a morte não é tormento. Tormento seria se deixasse insepulto o morto que procede do ventre de minha mãe. Tuas ameaças não me atormentam. Se agora te pareço louca, pode ser que seja louca aos olhos de um louco.”(Antígona para Creonte e Corifeu, ato 450)

Júlio Moredo

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