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As Minas de Prata - Aventura romantista na história do Brasil

  • Foto do escritor: Júlio Moredo
    Júlio Moredo
  • 30 de mar. de 2021
  • 8 min de leitura

Atualizado: 17 de mai. de 2021


Talvez um dos mais densos trabalhos do ícone do romantismo brasileiro, José de Alencar, As Minas de Prata é um romance histórico imersivo de tão detalhado que é, beirando à prolixidade, tão característica deste autor e estilo/escola literária. O que vai prendendo o leitor, a despeito do preciosismo linguístico e descritivo, é a trama muito bem feita pelo cearense.

A narrativa se passa nos princípios do século XVII, em plena dominação espanhola em Portugal e suas respectivas colônias e império ultramarino, numa Salvador ainda capital da colônia e respirando a efervescência da chegada do novo governador-geral do Brasil – D. Diogo de Menezes e Siqueira, com todas as festividades cerimoniais a que isto concorre – Missa (onde nos são apresentados as ordens religiosas, sempre em guerras e intrigas mútuas), liça de cavaleiros (uma constante neste enredo) e sarau de cultura ao cair da noite.


Dentre a eufórica população soteropolitana nos é apresentado os quatro personagens mais influentes durante toda a história – O quarteto amoroso formado por Cristóvão e Estácio, primos em sexto grau e descendentes de Caramuru, e Elvira e Inesita, duas flores em botão enamoradas por seus respectivos pares, a primeira por Cristóvão, a segunda por Estácio, que é novo-pobre devido à perda do cargo de seu pai, por traição, depois de ir à Espanha atrás do apoio para a empreitada no rumo das Minas, ser roubado no traslado e ter perdido o mapa, tentando, assim mesmo, encontra-la sem a autorização de Madrid.


O que torna a leitura aprazível e quase não enfadonha, para além da boa construção dramática e de personalidades dos intervenientes, é talvez a divisão em pequenos fragmentos de páginas os capítulos da saga de Estácio para redescobrir as Minas argentas do interior baiano, desbravadas, reivindicadas e roubadas, com o mapa de sua rota, de seu falecido pai, Robério Dias. Cada pílula de capítulo nos vai convidando a adentrar cada vez mais nessa aventura promissora a um leitor apaixonado por história, amores e fortunas, materiais e anímicas.


A minúcia com que o autor retrata a Salvador de 1609 é muito presente em cada passagem dos personagens que nos são introduzidos daquela sociedade, como o abastado Fernando de Ataíde, rival imaginado de Estácio pelo amor de Elvira, D. Luísa, mãe vivida e agora religiosa de Inesita, e Vaz Caminha, português, advogado licenciado e tocador de órgão na Sé baiana, que apadrinhou Estácio e o instruiu após o falecimento de seu pai e, anos depois, de sua mãe. Complexo e bem construído, é este o personagem que liga o herói do enredo ao seu destino de concretizar o sonho de seu amigo e finado Robério Dias.


“Não, filho, um velho fraco e inerme, é má guarda de tesouro tamanho, a alma é impenetrável, mas o corpo facilmente se quebra. Sois moço e valente cavalheiro; a riqueza mudou-vos de repente a carreira; habituai-vos desde já a trazer a vossa fortuna, como a vossa honra, na ponta de vossa espada.” (Vaz Caminha após revelar as minas a Estácio Capítulo VI)


A burocracia estatal e eclesiástica nos é posta de maneira muito profunda pelo texto quase poético de tão erudito da prosa de Alencar. Vaz de Caminha, o mesmo padrinho de Estácio, vai visitar o chefe do colégio jesuíta de Salvador e lá liga os pontos da trama política engendrada pela metrópole espanhola para dominar com mãos de ferro as fabulosas Minas: Um padre de nome Gusmão de Molina, indiretamente um agente D’El-Rei, chega à Bahia para garantir a divisão do território brasileiro em dois, norte e sul, à revelia do novo governador-geral Diogo de Menezes e, com isso, nomear algum fantoche do reino para localizar e explorar a infindável prata.


Simbolicamente, é durante uma boa cena descritiva de uma partida de xadrez que o esperto advogado começa a temer a astúcia e intenções do novo jesuíta para com seu afilhado. “O ar de excessiva humildade do P. Molina não o tinha iludido; adivinhara que sob aquela aparência enganadora se escondia o superior, o qual não tardará a revelar-se”. Durante toda a cena em que Caminha disputa a partida com o fraco Fernão cardim, ele percebe a víbora existente em Molina apenas pelos seus palpites de xeque-mate.


Fica-nos claro, neste momento da narrativa, a importância dos heróis clássicos (a dupla Cristóvão de Ávila e Estácio Correia, os amigos inseparáveis e amantes de Elvira e Inesita). Na liça que se segue à cena do monastério jesuíta, o torneio de cavaleiros dá a glória e humildade gentil aos amigos, com Cristóvão a atribuir o lance da vitória a Estácio no embate com o time de Fernando de Ataíde, para rubor amoroso de Inesita, deleite do caboclinho Martim, moleque esperto do taverneiro Brás, um oportunista, e fria análise de valor do próprio Diogo de Menezes a ambos como possíveis aliados nas guerras políticas que não tardaria graças à divisão da colônia por causa da mítica prata, numa clara memória dos tempos das cavalarias medievais feitas pelo autor.


Habituado a estudar os homens, tinha conhecido por aquele traço o caráter dos dois amigos; eram valentes espadas e braços leais com quem a todo tempo poderia contar (...) Os jogos militares naquele tempo tinham no meio da aparente futilidade um pensamento sério e de longo alcance; serviam de exemplo e escola {à mocidade, que se amestravam para as verdadeiras lutas, e bem cedo adquiria esforço e brios. ”


Deste ponto em diante, e a despeito da história quase se perder em descrições quase trovadorescas de Alencar, fica bem claro que todo o desenrolar irá opor o herói Estácio, o perfeito herói de caráter e conduta, seu primo distante Cristóvão e suas amadas Elvira e Inesita. Do outro lado, os inimigos, batidos na desforra de cavalos, serão Fernando de Ataíde, pretendente de Inesita, e seu amigo D. José de Aguilar, pervertido e viciado irmão da menina. Aguilar está refém moral das dívidas a Samuel, usureiro judeu que banca seu vício em jogos e espera explorar a influência do rapaz na política (além da atração por Raquel, sua filha) para ajudar os holandeses presos na fortaleza de Santo Alberto.

Junto a estes se somarão os apoios de D. Diogo de Menezes, político honrado, e Mestre Bartolomeu, cantor aristocrata da catedral, do lado dos mocinhos, e do obscuros e ardilosos padre Molina, Brás Judengo, também hebreu e esperto taverneiro, e Anselmo, seu brucutu guarda-costas, pelo lado dos vilões, no evidente maniqueísmo romantista.


Além destes ainda se juntarão Joaninha, a personagem brasilianista da obra. Bela, faceira e romântica adolescente mulata, pelo lado da luz, e o seu Gil, amado em segredo e o leal pajem de Estácio. Complementa a vasta galeria de personagens influentes nos acontecimentos a matrona Elvira, o sombrio Anselmo, o xucro Tiburcino e a bruxa advinha das ruas soteropolitanas.


Aos poucos a intenção do padre Molina vão ficando claras: O abastecimento financeiro da Ordem jesuítica com o ouro e a fazenda da colônia. Ele se anuncia aos demais como novo gestor do colégio no Brasil e que quer a todo custo angariar fundos para que a Ordem volte à França, onde o rei Henrique IV, protestante, a proibiu. Para isso, usará desde o antissemitismo ainda patente (no caso de dona Luísa de Paiva, mãe de Elvira e carola, com seu sangue judaico e uma rica fazenda, de ameaça de excomunhão) e, por óbvio, os olhos crescentes nos boatos das Minas de prata de Robério Dias.


Encerrando a primeira parte/terço do romance, tomamos conhecimento, no momento mais nobre e romântico de todo o desenrolar até então, do último personagem crucial de toda a estória: João Fogaça. Antigo capataz da família de Cristóvão e seu fiel protetor em escaramuças e andanças pelas matas do Recôncavo, vem o homem à ajuda de seu colaço quando este está prestes a perder a vida por ser flagrado em juras de amor com Elvira, filha da durona Luísa, que solta seus aios contra o rapaz. Fogaça é complexo tanto na descrição interna como externa, alguém que, numa intrincada teia amorosa com Mariquinhas, sua eterna amada e amiga, não consegue expor seus sentimentos, permanecendo um leal “bicho-do-mato” durante toda a narrativa.


Por fim se depara o leitor com o que será o enfoque do resto do livro: A caça às misteriosas e lendárias riquezas da Mata Mineira, da politica e amores de Salvador e, claro, dos sertões prateados descobertos por Robério e desejados por Molina, Brás Judengo e toda a aristocracia da colônia do Brasil.


Assim se encerra a primeira parte da obra e a segunda se inicia com Dulcita, a mulher em cuja a casa se suspeita estar enterrado as riquezas das Minas dos sertões. De modo brusco e bem prolixo, típico de Alencar, o enfoque da narração muda da Bahia para a Espanha, especificamente a velha Castela e a Andaluzia a fim de nos contar a bem tramada história de amor entre o intrépido, arrogante e orgulhoso Vilarzito e a própria Dulcita, em mais uma intrincada relação romantista.


O rapazito era de Burgos, ajudante de campesinos que conhece um cavaleiro andante e, com grande ousadia, oferece-se para ser seu pajem. De pajem ele se vira em escudeiro deste nas guerras espanholas na Holanda. Depois, desejando abraçar o mundo, apaixona-se pela pintura em Sevilha, especializando-se em caricaturas a carvão. Em honra à trova picaresca de Cervantes, o próprio autor de Quixote aparece para Vilarzito enquanto pintava sua disforme figura num muro sevilhano. Conhecendo o mítico poeta e prosador, parte ele em busca de saber em Salamanca, para escritor virar. Lá se apaixona pelo recente Novo Mundo e suas aventuras ocultas. Decidido a ir a Palos, local de partida das naves à América, se depara com Dulcita e praticamente exige e barganha sua mão em amor feiticeiro.


Ao final do quarto capítulo da saga de Vilarzito é que Alencar desdobra sua genialidade ao leitor quanto o surpreende ao revelar que o ousado ególatra é ninguém menos do que o próprio Gusmão de Molina, nome que ele tirou de um dos teóricos da Companhia de Jesus, pregador da glória terrena e celestial da Ordem. A partir disso é que o rapaz se apaixona a pela fama da Igreja pela organização de Loyola e, abandonando o matrimônio já em Sevilha, parte para Lisboa com a esperança de ser ele o desbravador das Minas de Prata da Bahia a que o romance dá o nome.


“Seguiam-se outras cartas sobre o assunto; Todas devorou-as o rapazito com ardente curiosidade. Ele tinha a memória de César, Cromwell e Napoleão; O que uma vez penetrava em seu espírito, aí ficava gravado como relevo no mármore” (Página 179, sobre Molina)


O momento para que sabermos que Vilarzito é o implacável Gusmão de Molina é perfeito: A aventura deslancha mais no rumo do desfecho e da terceira parte da obra, onde a abandonada Dulcita (Maria de Peña, seu segundo nome, o de pesar) seguirá cármicamente os passos de seu antigo marido e amado no rumo do Brasil, onde ele estudou mais um pouco para se tornar ainda jovem o mais erudito da ordem. Ela irá testemunhar tudo o que sabe dele e das Minas de Prata, que é a materialização da cobiça desmedida do clérigo por glória através da religião de Cristo.


“De feito a velha daí em diante só a tratou por esse novo nome, cuja singularidade não escapara à finura e perspicácia do Padre Reitor da Bahia. Ouvindo-se chamar daquele modo, Dulce sorria; Não há admirar; Os grandes pesares também têm seu júbilo, qual o de sentirem-se vivos e ardentes; Nem há nada que mais se toque neste mundo que não seja o riso e o pranto, a alegria e a dor.” (Página 182, entrevista do padre a Dulcita na Bahia para saber sobre Molina)


Passando-se alguns anos no Brasil, no Rio de Janeiro e em Salvador à cata de informações sobre os mistérios dos sertões agrestes do Brasil, vai Molina, a caminho da volta à Europa, ao largo de Pernambuco, colher de orelha informações sobre o sumiço e morte por selvagens de Robério Dias à procura solo das suas Minas, bem como do interesse no paradeiro destas riquezas do judengo Brás, hebreu converso que vai na mesma nave ao Velho Mundo reclamar apoio de Amsterdã para libertar seu povo do julgo inquisidor de Roma, fomentando a gigantesca Guerra Luso-holandesa, numa douta brincadeira do autor. A capital da fé católica será o destino de Gusmão, onde receberá, inclusive, o quarto voto e convencerá a Companhia a investir nele para tomar de assalto as riquezas platinadas das Minas.


Por meio desta cruzada ambiciosa estará a vida do herói perfeito de tudo: Estácio, que partirá em bisca das Minas ocultas nas brenhas da Bahia. É ele quem irá desempenhar o ofício de redentor (pela memória de sua mãe, o nome de seu pai e o amor de Inesita, usado por Molina para ganhar terras e poder para a Companhia ao prometer a donzela para D. Lopo de Velasco, fidalgo degredado) junto a tamanha sanha por poder naqueles tempos de descobertas e aventuras, o que cativará por certo leitores mais experimentados, exigentes e curiosos por este período tão belo e terrível da história econômica e social da nossa gente.

 
 
 

Júlio Moredo

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