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NBA jogada com os pés

  • Foto do escritor: Júlio Moredo
    Júlio Moredo
  • 20 de set. de 2021
  • 5 min de leitura

“Deus, eu pensei que fosse Deus, e que os mares fossem meus como pensam os ingleses...”. Parafraseio este verso de uma das tantas geniais canções de Chico Buarque para adentrarmos ao tema da coluna desta semana. Isto é, a ascensão e predomínio da Premier League como melhor Liga Nacional de futebol do mundo há pelo menos vinte anos.


Que me desculpem os aficionados por outros campeonatos locais, como o tradicional e tático italiano, o forte alemão e o veloz e outrora mais estelar espanhol, mas a verdade é que desde que me conheço por amante do Esporte Bretão (ora vejam) que entra temporada e sai temporada e o certame inglês traz os melhores esquadrões, grandes treinadores e inovações táticas e, claro, jogadores do mais alto calibre de mais de noventa nacionalidades distintas.


Sim, leitor, você não leu errado. A Premier League possui atletas de quase todos os países do globo disputando suas pelejas duríssimas em estádios míticos ou renomados, fazendo jus ao espírito cosmopolita que paira sobre Londres, a capital britânica, que desde os tempos de Revolução Industrial alberga muita gente vinda de todos os cantos da Terra.

Tudo isso apesar e a despeito do infame Brexit, oficializado em 2016 e efetivado em 2020, que poderia ter mexido com a qualidade desportiva dos atores em campo, ou seja, os jogadores. Até agora, contudo, esse baque não foi sentido na pele pelos clubes, que seguem contratando boleiros, europeus ou não, com praticidade e rapidez a fim de colocarem em questão de dias vistos de trabalho e licenças burocráticas à disposição de seus jogadores.


A verdade é que a Inglaterra, antes Senhora dos Mares pela sua poderosíssima marinha e imensa força comercial através das Companhias Comerciais das Índias Orientais e Ocidentais, uma das primeiras parcerias público-privadas de que se tem notícia, sempre foi vocacionada para dominar não só mares mas também culturas, territórios e mercados alheios, premissa essa que, coincidentemente ou não, seus filhos pouco diletos, os norte-americanos, herdaram e assumiram logo após a Segunda Grande Guerra, sendo ainda hoje a maior potência cultural, econômica e militar do Ocidente e do mundo.


Pertence aos Estados Unidos, inclusive, o comparativo deste texto. Refiro-me à NBA (Liga Nacional de Basquetebol, em tradução literal). Ela é um ícone de organização, lucro, capilaridade e sucesso desportivo desde a sua criação, ainda na primeira metade do século XX, em 1947, num precoce segundo ano do que chamamos de Pós-Guerra e Guerra Fria.

A Premier League como produto acabado que conhecemos hoje, porém, é muito mais recente. Sua primeira edição com este nome remonta ao biênio de 1992-93, totalmente remodelada em formato de disputa, número de participantes, patrocínios e segurança de público, extirpando dos estádios os temíveis hooligans, que tanto atemorizaram e sangraram as ilhas britânicas e Europa nas décadas anteriores.


De lá para cá os seus dirigentes construíram, com a diligência e labor tão peculiares ao povo anglo, o melhor torneio de longa duração que o futebol jamais viu, valorizando também as categorias de base e as divisões inferiores. Seguindo essa política, a Premier League faz escoar igualmente o dinheiro das imensas cotas televisivas por todos os vinte clubes participantes da primeira divisão, transformando o campeonato no mais competitivo que existe, sempre nivelado por cima e com craques pedindo para jogar em times que por aqui seriam considerados pequenos.

O resultado? Basta lembrarmos que, além da Inglaterra, apenas a Espanha (muito em função da dupla Real Madrid-Barcelona) logrou nestes quase trinta anos colocar por mais de uma vez dois de seus clubes numa final de Champions League. A última, aliás, contou com dois clubes bretões no gramado: o já consolidado Chelsea e o ainda novo-rico Manchester City, mais um dos muitos clubes do país da Rainha que atraiu investidores multimilionários, tornando-se, assim, empresas guiadas não por um Conselho Deliberativo ou votos societários, mas pelo poder de metas por lucros de muitas companhias e fundos de investimentos.


Voltando às dificuldades, vale lembrar que para se chegar neste sucesso absoluto de competição, público, marketing e talentos os ingleses passaram pelo inferno das tragédias de Heysel, na Bélgica, em 1985, e de Hillsborough, Sheffield, em 1989, maculando para sempre os corações dos fanáticos torcedores. A primeira, numa final de Champions League, forçou a UEFA a agir com rigor, proibindo por cinco anos a aparição de qualquer equipe inglesa nas competições organizadas pela entidade.

Ambas foram levadas a cabo por hooligans e gangues de rua violentas que pairavam pelos becos do país numa fase de crise do petróleo e consolidação do neoliberalismo sob o governo da Dama de Ferro Margaret Thatcher. Curiosamente, nestas duas trágicas ocasiões (morreram centenas de adeptos) o Liverpool FC, hoje um dos mais bem organizados e ricos da Europa, teve suas bestializadas claques envolvidas tanto na final europeia de 1985, contra a Juventus, como na semifinal da Copa da Inglaterra, contra o Nottingham.


Se pensarmos que um banimento de médio prazo estava aliado a milhares de famílias enlutadas por mortes evitáveis e banais num campo de futebol, mais uma vez devemos olhar com admiração ao feito conquistado pela Associação de Futebol Inglesa em parceria com a Barclays, maior banco do país e patrocinador máster da competição. Simbolicamente, a instituição leva em seu logo o tradicional leão inglês como demonstração de força e soberania. Sendo detentor dos direitos nominais da liga, o mascote foi, então, emprestado à Premier League, hoje indissociável do animal que sempre representou a Inglaterra aos olhos mundiais.


Mais uma temporada desta NBA com os pés se iniciou com vários jogadores de ponta a lutarem pela artilharia, título e, claro, pelo posto de Melhor Jogador do Mundo pela FIFA e France Football (Cristiano Ronaldo, de regresso ao United, que o diga).


Além dele podemos citar Moh Salah, Sterling, Werner, Abaumeyang, Kane, Tielemans e tantos outros. Veremos quem vencerá esta maratona que só traz jogaços para as telas brasileiras em sábados e domingos, já com seus estádios apinhados de gente a gritar a plenos pulmões pelo seu clube de coração. Talvez seja esta a única diferença entre a Premier League e a NBA: os clubes podem ter virado empresas, mas seguem sendo apenas clubes, não franquias, sem riscos portanto de mudanças de cores, emblemas ou, pior, de cidade, como ocorre no certame ianque de basquete.


Que nós, brasileiros, aprendamos com os bons exemplos que ecoam da Inglaterra. Potencial para ser (muito) melhor do que o atual Brasileirão temos de sobra, bastando um pouco de profissionalismo e menos corrupção, né? Por enquanto, escolha o seu escudo favorito lá de longe, da Velha Albion, e desfrute do melhor jogo jogado com os pés na Terra, seja ele do Arsenal, Tottenham, Newcastle, Leicester, Norwich, Leeds, Woves, Everton, Aston Villa ou qualquer outro. Como dizia mestre Buarque, parece que os ingleses não só pensam apenas em ter os mares para si, o planeta bola, a nível de clubes, também é deles. Faça suas apostas e bom divertimento!

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