top of page

O Deserto dos Tártaros - Uma imersão no autoconhecer

  • Foto do escritor: Júlio Moredo
    Júlio Moredo
  • 10 de nov. de 2020
  • 3 min de leitura

Através das desventuras e angústias de Giovanni Drogo, nossas mentes são transportadas para o forte Bastianni, na fronteira de um reino fict[icio alusivo à Itália onde jovens soldados vão em busca de glórias e ludibriados por uma promessa enganosa de fama e se aplastam até a velhice senil

Magnus Opus do jornalista italiano Dino Buzzatti, O Deserto dos Tártaros nos transporta a uma mescla entre realidade e fantasia, em um reino sem nome que faz divisa com outro Estado não nomeado, mais ao norte.


Essa técnica de conjurar via palavra um pouco de ficção e realidade sempre me instigou em romances. As similitudes entre o local e a Itália do autor são muitas, desde a toponímia ao nome das personagens.


A surpresa passa a ser o reino fronteiriço setentrional, que será crucial, já que a trama se desenrola quase na totalidade entre os limites destes países. O local, que dá nome à obra, termina nas montanhas onde está o forte militar Bastiani (quase ele também um personagem, devido à riqueza descritiva e intimismo na relação com seus habitantes) e, a partir dele, há um deserto cheio de mistérios, entre prados, planícies poeirentas e rochas avulsas, onde se acredita ter sido habitação de Tártaros nômades.


Buzzatti então nos faz adentrar neste mundo encantado com riquezas de detalhes junto a uma bela simplicidade. Dino faz o leitor passear com Giovanni Drogo, o protagonista, pelo forte que será sua casa por quase toda a sua vida, conhecendo também os seus prisioneiros de sina.


A narrativa é quase inteiramente dialógica, principalmente entre Drogo, um rapaz sonhador e ávido de glórias, conhecimento e crescimento militar, o narrador, que costuma muitas vezes aconselhar seu herói, além do próprio lugar: O complexo de defesa muitas vezes parece interagir em prosa.


Com sutileza e objetividade, o relato convida o leitor a vivenciar a corrosão temporal dos homens que lá aguardam a tão esperada guerra, ou simplesmente que algo diferente aconteça. A passagem dos anos é demarcada pelo desgaste da própria estrutura.


As alegorias em sonhos, principalmente, mas também na realidade, como na morte do cabo Lazzari e na belíssima passagem para o plano espiritual do soldado Angustina (não à toa tendo este nome), são o carro-chefe do livro.


A par do protagonista, que sonhou com o ocorrido, Angustina trava a seu modo uma luta estoica para glorificar sua própria missão, aguentando agruras e sadismos de seus próprios companheiros e de seu superior, o cruel Matti.


O Deserto dos Tártaros é, por isso, um tratado de relação humana, demonstrado através de homens confinados e sem perspectiva de realizar o que sempre desejaram: a luta, o valor e a posteridade dos heróis combatentes. A degeneração de sua juventude é o pilar de todo o drama.


Giovanni assiste a tudo isso imerso, impotente e, ao mesmo tempo, já magnetizado pelo forte, sem saber como se desemaranhar de sua rotina, companhia e perspectivas ilusórias de renome. O lento passar dos anos o vai corroendo, o fazendo compreender que cada homem é uma ilha, ainda que seja com bordas coletivas, de sonhos comuns, será, contudo, sempre fechada em si mesma, em suas próprias dores e amarguras.


Esta é, muito provavelmente, a principal reflexão que esta bela e simples obra nos deixa. Como em Kafka, a degradação humana é retratada por Buzatti, que, contudo, prefere dar um átimo de esperança tanto ao leitor como a seus personagens, o que fica claro até o último suspiro do relato de vida do jovem Drogo.

Comments


Júlio Moredo

  • Instagram

Rua Girassol, 1513 - Vila Madalena - São Paulo- SP

contato@literativo.com

(11) 9.9233-6944 , (11) 9.8282-5841

 

 

© 2020 por Júlio Moredo. Todos os direitos reservados

bottom of page