O esporte da ascensão
- Júlio Moredo
- 5 de out. de 2021
- 4 min de leitura

Terminou, no último domingo (3), a oitava Copa do Mundo FIFA de Futsal, coroando o seu quarto campeão da série histórica, Portugal. Os lusitanos se juntam assim ao nosso Brasil, criador e percursor da modalidade, com cinco taças, à vizinha ibérica Espanha, com dois triunfos, e à Argentina, finalista vencida, detentora de um troféu no certame, conquistado recentemente, em 2016, no Mundial da Colômbia.
Adiado em um ano tal e qual as Olimpíadas de Tóquio devido à pandemia da COVID-19, a competição realizada na Lituânia foi um verdadeiro estouro de público, entusiasmo, qualidade técnica e emoção, tudo aquilo que o futsal entrega todos os anos em diversas ligas espalhadas por 180 países e pelos pés de milhares de atletas federados, especialmente aqui, na América do Sul, e na Europa, maiores polos promotores do jogo que tem como primazia o arrebatamento a nível cardíaco até o último segundo de cada partida.
O torneio deste ano obteve, só aqui no Brasil, índices de audiência similares ao futebol dominical, seja na TV aberta ou nos canais fechados que apresentaram todos os jogos envolvendo as 24 seleções classificadas dos cinco continentes da Terra. O brasileiro que parou para ver este espetáculo de dribles desconcertantes, defesas aparatosas e bolas na trave nas derradeiras jogadas deve certamente ter se apercebido do quão divertido é uma peleja futebolística praticada em ginásio entre cinco contentores de cada lado.
Nada surpreendente para quem já seguia este desporto de perto. Criação genuinamente nacional tal e qual a cachaça, o samba, a bossa nova, a feijoada ou o avião, ela foi iniciada por estudantes da fina elite carioca nos anos 40, substituindo os lamacentos gramados varzeanos pelas duras e frias quadras de pavilhão, muito semelhante ao que ocorreu com o ciclismo, só que às avessas, já que, no caso das bicicletas, as corridas de velódromo forjaram as maratonas ao ar livre.

Em 1954 o futsal já estava confederado e com campeonatos locais próprios em nosso país. Desde este longínquo passado até hoje, por pernas próprias, ele ganhou popularidade, investimento e qualidade padrão FIFA, vivendo, desta forma, seu apogeu no passado final de semana com nada menos do que 8.500 pessoas assistindo freneticamente à imprevisível final entre portenhos e lusos, indefinida até o último chute à trave dos atletas Hermanos.
Estes mesmos hermanitos foram os algozes que nos eliminaram uma fase antes, nas semis, com um bocado de sorte, um pouco de desleixo em nossa preparação e muita, muita provocação após o apito final, atestando de maneira empírica o quanto a modalidade já é tão apaixonante e considerada como o futebol de campo, o vôlei ou o basquete.
A Canarinho, aliás, terminou a contenda na honrosa 3ª posição ao bater os ascendentes cazaques na decisão pelo bronze. A sorte que faltou contra os pampeanos sobrou contra os euroasiáticos, já que nos beneficiamos de um bizarro gol contra feito por eles. Em cômputos gerais e tendo em vista a crise transitória que atravessa a Confederação Brasileira de Futsal (CBFS), absorvida pela CBF, a posição final da seleção pentacampeã das quadras foi muito importante para mostrar que seguimos sendo, apesar dos pesares e da gigante concorrência, o país inventor, propulsor e maior exportador do esporte.
Para você, leitor, ter uma ideia do tamanho da encrenca institucional, com toda a bagunça que foi o planejamento da transferência de poderes de um órgão (CBFS) a outro (CBF), o selecionado nacional ficou mais de um ano, isto mesmo!, um ano sem jogar qualquer partida oficial, nem mesmo amistosas.

Ainda na primeira metade deste ano, porém, com a duvidosa CBF já no controle, o preparo para o Mundial foi exitoso: Trinta dias de treinos árduos na Granja Comari, em Teresópolis-RJ, sede desportiva da entidade, e mais alguns bons desafios amigáveis para testar a rapaziada. Se não foi o suficiente para uma final ou caneco, valeu-nos o pódio nesta cada vez mais dura razia pela glória das quadras, também disputada de quatro em quatro anos tal e qual os maiores espetáculos esportivos da Terra.
Fato é que, a despeito de toda a deficiência no preparo, o Brasil, terra de Manoel Tobias e Falcão, este último o Pelé das quadras, conseguiu sair do Báltico de cabeça erguida, mas, entretanto, viu jogar forças que já se solidificaram no cenário planetário, como as europeias Rússia e Sérvia, os asiáticos Cazaquistão e Japão e, claro, um rival à altura aqui em nossa América do Sul, os argentinos (sempre eles!).
Portugal, o vencedor da festa toda, nem surpresa pode ser considerado por ter transformado seu pequeno país num epicentro europeu para se jogar futsal, com seus principais times do campo, por exemplo (à exceção do FC Porto), a possuírem fortes esquadrões no salão, fazendo da Liga portuguesa uma das mais atrativas da atualidade.
Últimos campeões da Eurocopa, em 2018, os Heróis do Mar lograram duplicar o feito a nível mundial em um árduo caminho onde passaram com o clássico nervosismo do futsal por Sérvia (prorrogação), Espanha (virada de 2 gols e prorrogação), Cazaquistão (pênaltis) e finalmente os argentinos através de sofridos 2x1 no tempo regular.

Termo bom e justo para uma Federação que faz quase tudo certo em termos de gestão de todos os seus futebóis, emergindo como potência em gramados, quadras e praias. Sem falar na consagração do ala Ricardinho, um dos maiores de todos os tempos no futebol de ginásio.
Essa imprevisibilidade do salão é o que o torna, inclusive, tão cativante àqueles que ainda não estavam habituados à sua dinâmica tática e velocidade de passes e gingas, muito mais ligeiros do que o de seu primo mais famoso (tente voltar aos seus tempos de escola e relembre o quão difícil era marcar e criar espaço num terreno reduzido e estreito).
Que esta conquista de nossos colonizadores pregressos sirva não só como “vingança” aos nossos rivais do sul, sempre tirando uma casca quando ganham da verde-e-amarela, nem que for a feijões ou bolas de gude. Que ela tenha a igual serventia de nos fazer observar como uma instituição unificada e séria pode levar uma escola de futebol à glória em todas as suas vertentes.
Em tempo: Até quando ficaremos sem ver um desporto deste calibre, qualidade e entretenimento de fora dos Jogos Olímpicos? Acorda, COI!
コメント