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O Médico e o Monstro - Célebre questionar de quem somos

  • Foto do escritor: Júlio Moredo
    Júlio Moredo
  • 10 de nov. de 2020
  • 3 min de leitura

Novela clássica e percursora da literatura de terror, O Médico e o Monstro é daquelas obras que mexerão com nosso eu e imaginário eternamente pela sua crueza em insinuar desde o início que o respeitável e bom doutor Jerkill pode muito bem tornar-se o terrível e inominável Edward Hyde

Uma das mais célebres novelas do escocês Robert Louis Stevenson, O Médico e o Monstro é uma síntese do estilo realista em que a literatura europeia estava inserida em fins do século XIX, considerado pela historiografia como os “anos da ciência”.


Mixando suspense, horror e mistério, o livro é consagrado como fonte de inspiração para autores policiais e pós-modernos. A dualidade de caráteres do Dr. Jekyll e, grande mestre cientista, e seu alter ego, o sinistro Mr. Edward Hyde (talvez uma brincadeira de Stevenson, uma corruptela da palavra inglesa “hide”, oculto ou escondido em português) fazem da trama um clássico, prendendo o leitor página por página.


Jerkyll descobre e formula um tônico que o faz se transformar em outro alguém, ou uma parte oculta de seu âmago que expressa todos os seus piores sentimentos, exalando maldade.


As ações mais relevantes da história sempre se realizam na calada de noites lúgubres do outono-inverno de Londres. O aspecto descritivo, aliás, é de grande detalhamento, transportando quem lê suas linhas até o cerne horripilante dos paradeiros do monstro.


O personagem central, contudo, não é o malfadado químico, mas sim o seu colega de infância, o advogado Gabriel Utterson, que, em seus passeios amiúde pelas ruas do Soho com Richard Enfield, seu primo, depara-se com um intrincado mistério jurídico envolvendo o amigo.


Ao passarem pelos fundos da residência do cientista, Enfield relata a Gabriel a noite terrível em que conheceu Hyde pelos piores motivos: o homem havia atropelado e pisoteado uma criança ao trombar com ela. Intrigado, Utterson diz conhecer de nome o infrator por este ser o beneficiário de Jerkyll em seu testamento, tanto por morte como, o que mais o intrigava, por desaparecimento deste.


Depois de ter consultado o Dr. John Lanyon, médico patologista e outro antigo amigo da dupla, Gabriel inicia uma caça pessoal ao sinistro morador dos fundos, levando-o a ter breve encontro com o vilão apenas para confirmar suas suspeitas: seu colega estava sofrendo ameaças ou extorsões do homem.


“Nunca o tinha visto antes, disso eu tinha certeza. Ele era pequeno, além disso, fiquei impressionado com a expressão chocante do seu rosto, com a notável combinação degrande atividade muscular e aparente debilidade de constituição e, por último porém não menos importante, com a estranha e subjetiva perturbação causada por sua proximidade” (Descrição do Dr. Lanyon ao se deparar com Hyde pela primeira vez, trecho da obra)

Com o passar dos dias, um crime bárbaro é cometido em plena madrugada: Sir. Danvers Carew, político e membro do parlamento, é encontrado morto a cruéis porretadas de uma bengala, caída pela metade ao lado da rua. O assassinato foi testemunhado por sua secretária, que descreve à polícia a exata fisionomia de Edward.

Utterson, então, se une à Scotland Yard em persecução ao assassino, alertando Jerkyll dos perigos de sua proximidade com o foragido. Na mansão do químico, entretanto, ele só encontra preocupação em Poole, fiel mordomo de Henry. Hyde desaparece do mapa já herdeiro de uma fortuna após saciar sua vontade de matar.


O desaparecimento parece beneficiar Henry, que volta a receber seus amigos para jantas e convívios. Algo que durará pouco, com a besta ganhando gradual controle sobre seu corpo.

A dosagem da fórmula que o imuniza não mais recria o efeito duradouro.


Assim, os fatos subsequentes enfocam o drama do professor perdendo terreno para o seu pior ser. Reflexões filosóficas do bem e do mal acabam se formando nessa dramática confissão.


A besta enjaulada por padrões sociais existe em todos os nossos corpos e mentes e, em um pensamento freudiano, pode muito bem ser tirada de sua prisão anatômica num insucesso pessoal, solidão extrema, ambição desmedida, vontades incontroláveis ou falta de propósito existencial. O ônus disso é uma curta liberdade de parâmetros, padrões, barreiras ou impedimentos sociais para impulsos cruéis.


Desamarrar o que Freud chama de “homem lobo do homem”, o lobo oculto alojado no fundo do espírito, aparenta dar autonomia gradual a uma parte totalmente maligna da persona, que começa a lutar por primazia ante o seu criador por não sentir afeto ou ligação amistosa por ele, uma mera carapaça para alojá-lo.


Os crimes e barbaridades cometidos a esmo pelo monstro nos invitam a desenhar estas questões mentalmente: liberar o seu lobo é enterrar o seu cordeiro? Até que ponto perdemos a ética profissional? Onde avançamos pelo direito dos terceiros?

Dilemas morais como o júbilo do sadismo e a tentação pelo ilícito e o oculto parecem ser o enfoque, portanto, de toda a temática desta novela filosófica em forma de thriller.

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