Os sofrimentos do jovem Werther - Definitivo melodrama lírico
- Júlio Moredo
- 10 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
Maior nome da vasta literatura germânica, Goethe apresenta toda a sua percepção da psique humana em Os Sofrimentos do Jovem Werther. Um hino ao estilo romancista do iluminismo europeu, todo ele passado entre 1771-1772.

O romance é autobiográfico em vários aspectos, tendo o escritor sofrido de ardente paixão tanto quanto o seu protagonista que, dessa forma, é um tanto piegas ao longo da trama.
A história relata todos os júbilos e desditas de Werther, um rapaz com visão naturalista de mundo, leitor de Homero, Ossian e interessado por pintura e teologia. Seus pensamentos possuem muitas análises sobre mudanças sociais de seu tempo, numa Alemanha pré-unificada e industrial.
Contado em relatos que Werther escreve a Guilherme, seu amigo e confidente, o livro descreve Wahlheim, singela aldeia do interiorana, onde o garoto passa uma temporada de retiro. Desde o início fica claro o seu admirar pela pacata vida local e bondade do povo, além do íntimo contacto com a natureza. Dividida apenas nas remessas de mensagens, a temática é rapidamente assimilada, fruto da grande erudição e firmeza da prosa goethiana.
Conhecendo os habitantes, Werther, muito propenso à caridade, cresce em reputação no lugar. Convidado a um baile numa fazenda da área, ele conhecerá aquela que será sua amante de desejos, ninfa, musa inspiradora e valquíria celestial: a doce, inteligente e espirituosa Carlota, responsável irmã mais velha de nove irmãos.
A jovem lhe é apresentada por sua prima a caminho da festa como uma moça já prometida a um certo Alberto, em enlace acordado entre as famílias. A afinidade com que Werther e Carlota dançam, se entrosam no olhar e em visões de mundo é retratado durante todas as festividades daquele dia, benfazejo e feliz mesmo em meio à tormenta que irrompeu ao final da tarde.
“Ela estava parada, apoiando os cotovelos ao parapeito; seu olhar passeou pela paisagem, elevou-se ao céu e dirigiu-se a mim, e vi os seus olhos cheios de lágrimas quando pôs sua mão sobre a minha (...) mergulhei na torrente de sentimentos que ela derramava. Não pude suportá-lo , inclinei-me para a sua mão e beijei-a sob o impulso de lágrimas deleitosas, voltando a contemplar os seus olhos em seguida!” (Carta do dia 30 de maio).
A partir daí as correspondências narrarão os idílios e desventuras do personagem tentando atrair para si todo o amor que brotou em si, com Carlota a corresponder-lhe de modo amistoso, temerosa em romper o programado noivado.
Em total alegria consigo próprio, Werther vive para encontrar aquela que o completa, de modo que sua morada, próxima à fazenda de Carlota, passa a ser ainda mais preciosa aos seus olhos.
As cartas passam a ser um debate solo do apaixonado e sua relação com a amada, variando da eufórica ao torpor quando percebe a lembrança de Alberto permeando o relacionamento de ambos. Transparecendo que toda esperança e otimismo do moço são armas para conquistar o a dama. Uma ilusão sentimental dependente da correspondência (ou não) de Carlota.
“Não, não me engano! Leio em seus olhos negros o sincero interesse que tem por mim e por meu destino. Sinto, sinto, e isso posso apelar ao meu coração, sinto que ela... Oh, devo, ou melhor, sequer posso fazer o céu inteiro caber nessas palavras... e dizer que ela me ama? (...) Sim, quanto eu me adoro desde que ela me ama!” (carta de 13 de julho)
Recheado de referências ao sagrado e mitológico, com comparativos bíblicos e helênicos em muitas missivas, a paixão de Werther vai tornando-se uma chantagem emocional inconsciente e obsessiva à moça. Esquecendo de suas metas profissionais e carreira. Não resta a ele nenhuma outra motivação que não ficar eternamente disponível à sua amada de modo servil.
“Tudo nessa vida acaba em bagatela e aquele que, para agradar aos outros se mata trabalhando por dinheiro, honras ou o que for, sem que a isso se mova sua própria paixão ou necessidade, é, com certeza, um tolo.”
Alberto, o noivo, aparece. Infelizmente para Werther ele é um bom homem, a quem se deve admiração e amizade e não rancor hostil. Ambos mantêm boas relações até a convivência do triângulo amoroso beirar o constrangimento. A amada, por sua vez, mescla compaixão, embaraço e lisonja ao não dissuadir o amante de seus intentos impossíveis.
Numa discussão que os galantes tiveram sobre o suicídio,o frio, racional e privilegiado Alberto repudia o suicida, ao passo que Werther, ao representar o ato, recorre à dialética de equiparar enfermidades físicas e anímicas. Qual é a mais insuportável - a do coração ou a do corpo? Dores do abandono ou as que trazem vírus fatais? A diferença de pensamento entre ambos dá o subentendido contraste entre um futuro marido ditoso e um quebrantável admirador.
Aos poucos, o herói trágico percebe a vitória do rival, escolha da venerável e falecida mãe de Carlota. Desestimulado, sem propósito e alegrias que não recordassem a ela, ele aceita ir trabalhar na diplomacia, concluindo de modo dialógico o quão cruel é amar. “Quando faltamos a nós mesmos, tudo nos falta.” (Carta do dia 22 de agosto)
Na sua nova vida Werther se afeiçoa a muito poucos e se embate com outros tantos, já um irremediável crítico da vida de opulência fútil e aparências vazias. Mesmo tentando esquecer Carlota, ela vem à sua mente no limiar da depressão que seu ofício e colegas lhe despertam.
A nobreza prussiana o fazia enjoar por seu materialismo e falsidade. O desdém é recíproco e mesmo o Conde e a jovem B., gente da estima de Werther, participam do escárnio social que o vitimiza. De carta a carta se desnuda um dilacerado inapto àquela existência.
Ao pedir demissão, o sonhador se rende ao seu eu construído. Sabendo Carlota casada, ainda assim retorna à região rural enfermo de espírito e espinhado no coração. A posteridade descortina Werther num errante filósofo da carência, angustiando o leitor a acompanhar sua derrocada ante o vazio interior, secando vagarosamente para belezas, prazeres e à consciência do divino. O fim da saga deste anarquista do sentimento vem à tona após um crime passional abalar Wahlheim, junto com a defesa fanática que o outrora vívido homem faz do assassino, em derradeiras escolhas para selar de modo grandioso sua penosa passagem terrena.
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