Quando o quase já é a perfeição
- Júlio Moredo
- 9 de ago. de 2021
- 4 min de leitura
Encerrados os 32º Jogos Olímpicos de Verão no último final de semana, temos, a despeito do derradeiro dia de competições, melancólico para o Brasil por suas duas pratas, uma no vôlei e outra, polêmica, na final feminina do boxe, o melhor e maior resultado tupiniquim na prova rainha do desporto global.
Com um total de 21 medalhas trazidas da Terra do Sol Nascente, por si só um recorde, o Brasil superou a presença doméstica que teve há cinco anos, no Rio de Janeiro, e não só: logrou conquistar sete títulos olímpicos e seis medalhas prateadas, complementando sua marca no Oriente com outros oito bronzes, o que nos legou a honrosa 12ª posição no quadro geral de medalhas, um posto acima dos Jogos passados.

Por muito pouco (na verdade um ouro ou alguns bronzes a menos) ficamos atrás, no apagar das luzes, do Canadá, país que já virou nosso rival direto em disputas por pódios tanto em Pans como em Olimpíadas. Beiramos o Top-10, sempre formado por países ricos, influentes, poderosos ou tradicionais nos esportes como França, Itália, Alemanha, Austrália, Grã-Bretanha, Holanda, Japão, Rússia, EUA e China.
O orgulho de nossa delegação torna-se ainda maior se pensarmos na variedade competitiva e amplitude esportiva de cada medalha. Fomos campeões na canoagem simples, com o bestial Odisseu Izaquias Queiróz, passamos pelo bicampeonato olímpico para o futebol masculino (igualando nossos Hermanos argentinos e uruguaios na tabela geral), pegamos ainda ouros inéditos na ginástica olímpica, com a Íris Rebeca Andrade, no boxe, através de Hebert Conceição, nosso Heitor baiano, e no surfe, com o Jasão das ondas Ítalo Ferreira. Enfim, passeamos bonito com nossa bandeira por tatames, piscinas, quadras, gramados, pistas e até na própria Baía de Tóquio, dourando aquele início de noite por intermédio da vitória de Ana Marcela Cunha, uma titânides a nadar, na maratona aquática.

Todos estes épicos e até inesperados triunfos fizeram-nos esquecer dos fracassos em medalhas já certas, como no politicamente incorreto vôlei masculino, nos dois vôleis praianos e no futebol feminino, abreviado no Japão pelos cruéis pênaltis frente às meninas canadenses, futuras vencedoras do torneio.
No caso dos nossos vôleis, o sinal de alerta foi dado por meio de uma forte concorrência pela hegemonia desta modalidade tão popular. As derrotas táticas e emocionais para Rússia, no masculino, e para os EUA, pelas mulheres, demonstram que ou o Brasil volta a olhar com carinho e esmero para sua liga nacional, regando com investimento suas categorias de base, ou resultados quase nulos neste esporte poderão virar rotineiros.

E é utilizando o nosso ainda poderoso vôlei que gostaria de adentrar ao enfoque do artigo-ensaio desta semana, caro leitor (perdoem-me mais uma vez se soei prolixo, a ocasião assim o exigia). Se o resultado nestes Jogos foi acima do esperado, demonstrando clara evolução brasileira nos esportes de 21 anos pra cá (vale lembrar que nosso país zerou ouros em Sydney-2000), ficamos também com a pulga atrás da orelha ao nos perguntarmos se iremos repetir ou superar, como vem ocorrendo de Olimpíada para Olimpíada, esta brilhante participação da delegação em Tóquio. Más políticas sociais e incompetência para tal não faltam do Oiapoque ao Chuí, não é mesmo?
Temos um governo que odeia conhecimento, cultura, artes e desporto, seja pela prática em si deles, seja pelos valores éticos, morais e humanos que eles ensinam e representam. O ministério dos Esportes foi reduzido a uma mera Secretaria Especial, sem verbas, bolsas ou cuidado que estes atletas merecem. São esporádicos e escassos os casos de competidores brasileiros realmente financiados pelo COB ou Instituições públicas.
A grande maioria tem de se virar angariando fundos para treinar na iniciativa privada ou por via de doações, como evidencia os casos dramáticos de Darlan Romani, do levantamento de peso, obrigado a aprimorar-se num terreno baldio, abandonado após lesões e o vírus da COVID, e do igualmente gigante Fernando Scheffer, bronze na natação após treinar boa parte do tempo num açude.

Casos como os exemplificados aqui, bem como tantos e tantos outros similares só nos fazem torcer ainda mais o nariz às perspectivas de evolução do Brasil em medalhas no curto ciclo de três anos até os Jogos de Paris-2024.
Se estivéssemos falando de um país “normal”, onde a estabilidade econômica, política e social não estivesse em causa por quaisquer fatores que sejam, então não teríamos problemas em demonstrar profundo otimismo neste resultado maravilhoso para o esporte nacional. Talento e pessoal de valor não só não faltam como abundam em cada ruela, casebre, praia, morro ou vereda brasílica. O que pode faltar mesmo é verba, surrupiada, ou mesmo democracia e estabilidade institucional daqui à França.
Por ora, contudo, encerro estas conjecturas infelizmente plausíveis com o meus sinceros parabéns e profundo agradecimento a cada um dos atletas olímpicos que envergaram o Cruzeiro do Sul em suas jaquetas e camisas de jogo. Vocês honraram nossas cores, nosso hino e nossa gente muito mais do que falsos patriotas. Foram digníssimos servidores públicos numa sociedade onde tirar do Estado e não repor é o normal e banal. Que mais Fadinhas, Jasões, Íris, titânides e heróis brutos como Romani e Scheffer sigam surgindo e vencendo nos anos vindouros.
Numa nação historicamente com sinal invertido para tudo, a quase perfeição da nossa moçada no Japão já é por si só a plenitude do perfeito justamente pela torta gestão das carreiras de muitos dos que nos representaram na maior festa esportiva da Humanidade. E que venham as Paralimpíadas, onde já somos potência!
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